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A formação de representações mentais na condição da cegueira

Dando continuidade à série de postagens envolvendo inclusão de alunos com deficiência visual (DV), o Fique por Dentro desta semana traz algumas informações sobre como pessoas cegas formam representações mentais.
por publicado: 10/06/2019 14h23 última modificação: 10/06/2019 14h23

O senso comum revela certa confusão sobre como pessoas cegas formam representações mentais, possivelmente devido ao modo de compô-las visualmente. Se a visão tem papel relevante nesse processo, na sua ausência ele ocorre de outras formas, a partir da ampliação da atenção às informações do meio. No ambiente acadêmico, compreender a questão favorece a partilha de experiências entre pessoas videntes e cegas, a adequação de práticas pedagógicas à ausência da visão e a promoção de vivências que ao mesmo tempo valorizem a visualidade e explorem, estimulem e ampliem as demais vias perceptuais.

O que se está designando por representação mental nesta postagem?

A expressão representação mental talvez não seja a adotada cientificamente, mas é empregada aqui para significar, em termos muito simples, a imagem formada na mente em relação a seres, objetos, lugares, etc., no que se refere a suas características concretas, ou seja, qual a imagem mental ao se mencionar genericamente elementos como 'edifício', 'mata', 'célula', 'coração', 'figuras geométricas', ou componentes específicos dessas categorias? Como são imaginados quanto às características físicas? Este texto visa apenas tratar da formação da representação mental na cegueira e não há como abordar correntes científicas relacionadas à construção de imagens ou representações mentais.

A apreensão das informações na ausência da visão

As representações mentais na cegueira não são criadas a partir de uma apreensão global e instantânea do que é externo, mas são compostas e atualizadas passo a passo pelas informações captadas a partir do constante intercâmbio existente no ser humano entre corpo, aparelho neuro-sensório-motor, mente, em interação com o ambiente e influenciadas pelas vivências sociais. As informações são selecionadas conforme o contexto, interpretadas, atualizadas, se complementam mutuamente e se unem formando a representação mental. A seguir, aborda-se o papel dos sentidos, da linguagem e da mente na formação dessas representações.

  • · Sentidos- O aproveitamento acadêmico das informações sensoriais já foi abordado brevemente em postagem anterior. Em relação à formação da representação mental, cada sentido oferece informações que podem parecer insignificantes na presença da visão, mas que recebem atenção permanente na cegueira. Ex.: a acústica de ambientes, o som provocado por diferentes elementos, os diferentes tamanhos, formatos, texturas apreendidos paulatinamente pela exploração tátil; os diferentes odores, etc.
  • · Memória visual - pessoas que adquiriram a cegueira ao longo da vida tiveram a oportunidade de anteriormente apreender o mundo a partir da visualidade. As representações mentais construídas nesse período são instrumento para a formação das novas representações na cegueira e podem ser úteis nas descrições oferecidas à pessoa. Há que ressaltar, porém, que, em algumas pessoas, essa memória se perde.
  • · Linguagem verbal: presente nas diversas interações sociais, em veículos de informação, ou em material escrito, fornece informações sobre elementos cuja natureza é eminentemente visual ou que, por outra razão, não podem ser apreendidos por outras vias sensoriais.
  • · Mente: processa e dá significado às vivências sociais e aos estímulos do meio, os quais ganham atenção diferenciada na cegueira, como já visto, favorecendo a apropriação de alternativas para a interação com o meio. Nesse processo, cogita-se haver um refinamento do trabalho operado pelos sentidos sempre em conjunto com o cérebro. A mente também assume papel diferenciado ao formar, a partir das descrições veiculadas pela linguagem, as representações mentais daquilo que não é acessível pelos outros sentidos.

Cegueira e potencialidade intelectual

Parece importante observar que a restrição ou ausência da visão não acarretam comprometimento intelectual. As representações e os conceitos sobre elementos que fazem parte do cotidiano do aluno com DV ou das suas vivências passadas podem ser muito mais consistentes do que aqueles distantes da sua realidade imediata, das suas experiências ou dos seus conhecimentos. Defasagens de aprendizagem observadas em alunos cuja única deficiência é a visual podem decorrer da insuficiência de estímulos e oportunidades de aprendizagem adequados. Assim, pessoas cegas precisam receber informações/descrições/experiências concretas de elementos alheios à sua experiência. Quanto mais ricos e adequados, mais completa será a representação mental que construirão.

A construção de práticas inclusivas

As trocas de experiências, os esclarecimentos do professor e dos interlocutores e as experiências sensoriais são de grande valia à formação de representações mentais para o aluno cego, contribuindo para a sua inclusão. Naturalmente, têm relevância muito maior socialmente do que a explanada neste texto. Acrescente-se que a promoção de acessibilidade e a oferta de tecnologias assistivas favorecem e ampliam a sua interação com o meio, a recepção de informações e as possibilidades de acesso aos conteúdos. O próximo Fique por Dentro elencará alguns dos apoios educacionais demandados por alunos com DV.

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