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Abandonando discursos que revelam ideias estigmatizantes

Dando continuidade à série sobre colocações e nomenclaturas no contexto da deficiência, o Fique por Dentro traz exemplos de expressões que não devem aparecer nos textos orais ou escritos
publicado: 10/07/2019 12h47 última modificação: 10/07/2019 12h47

A partir do protagonismo que as pessoas com deficiência (PcDs) têm assumido, da ampliação da sua autonomia, do avanço no conhecimento sobre as suas possibilidades e do surgimento de alternativas para a sua inclusão, as concepções de deficiência como tragédia, incapacidade, dependência absoluta, impossibilidade de qualidade de vida, de bom desempenho, etc., e de PcDs como vítimas, super-heróis, eternas crianças, anjos ou seres místicos se modificaram entre as pessoas que atuam mais diretamente com elas. Porém, devido ao desconhecimento, prevalecem no senso comum e nos discursos orais e escritos.

Dando continuidade à série sobre colocações e nomenclaturas no contexto da deficiência, o Fique por Dentro traz exemplos de expressões que não devem aparecer nos textos orais ou escritos.

Contraste entre a deficiência e alguma habilidade da pessoa:

Essas expressões revelam a concepção de que pessoas com deficiência não podem ser competentes, talentosas, ter autonomia ou viver algo positivo. Exemplos:

  • "Apesar de deficiente, ele é ótimo aluno/profissional/artista/desportista": não é extraordinário que a pessoa com deficiência seja ótima no que faz. Isso vai depender de sua potencialidade para a atividade, de como se desenvolveu e das condições que lhe são ofertadas;
  • "Ela é deficiente, mas mora/anda/manuseia o computador/se alimenta sozinha": se constroem as aprendizagens necessárias, PcDs podem atuar nessas e em muitas outras situações com autonomia;

Expressões que trazem a deficiência como tragédia:

  • "Ele foi vítima de paralisia infantil": Além de a palavra vítima não dever ser usada dado o estigma que carrega, o adequado em relação à especificidade é dizer: "ele teve Pólio" ou "ele tem sequela de Pólio";
  • "Ela sofre de tal deficiência": a palavra sofrer exprime a concepção trágica e estigmatizante. O apropriado é "ela tem deficiência";
  • "O filho deficiente é a cruz dessa família": a carga de estigma nessa frase é extrema. As vidas de pessoas com deficiência e de suas famílias não estão destruídas por sua condição. Há muitas possibilidades de aquisição de autonomia, conforme a especificidade de cada um e, apenas alguns casos são de total dependência da pessoa com PcD por toda a vida;
  • "Ela está presa/condenada/confinada a uma cadeira de rodas": o adequado é: "ela usa cadeira de rodas"/ela é cadeirante. A deficiência não é um estado de suplício, uma prisão insuportável, a não ser em casos em que a pessoa ainda não lida bem com a especificidade.

Expressões eufêmicas, pretensamente consoladoras ou que negam a deficiência:

Parecem buscar negar, atenuar, maquiar a realidade da deficiência, o que revela a concepção negativa em relação a mesma. Exemplos: "pessoas especiais", "pessoas ditas deficientes", "todo mundo tem deficiência", "pessoas com eficiências diferentes", etc. Note-se que as deficiências não podem ser negadas, mas precisam ser afirmadas, não como uma tragédia e sim como parte da identidade dos que as vivem. Não se trata de ignorar as dificuldades que são vividas por essas pessoas, as suas necessidades, os ajustes que o meio deve promover, mas de afirmar a sua identidade e as suas potencialidades.

Expressões inadequadas quanto às características da deficiência:

  • "Ele é doente", quando o que se considera doença é uma deficiência, a expressão é inadequada. Deficiências não são doenças, mas condições, mesmo quando demandam intervenções terapêuticas.
  • "Ele é deficiente mental", quando o que a pessoa tem na verdade é um transtorno mental: deficiência intelectual e doença mental são condições diferentes. Nesse caso, o adequado é "Ele tem doença mental"/”ele tem transtorno mental”/”ele é paciente psiquiátrico”.
  • "Ele não é inteligente": a concepção aí revelada ignora a existência de diferentes tipos de inteligência, assim como as potencialidades da pessoa com deficiência intelectual e as suas possibilidades de desenvolvimento mediante a oferta dos apoios adequados.
  • "Ele é surdo/cego/cadeirante, mas não é retardado": além do emprego inapropriado do temo "retardado", observe-se que parece haver uma compreensão errônea de que pessoas com deficiência necessariamente têm algum comprometimento intelectual;
  • "Ela teve paralisia cerebral": a pessoa permanece com a paralisia durante toda a vida. O apropriado é "ela tem paralisia cerebral".

Para além dos ajustes na forma de expressão, é necessário desconstruir as concepções reveladas nessas expressões. É compreensível que, após séculos de invisibilidade, a visão estigmatizante e os mitos em torno das PcDs ainda existam, mas encoraja-se a sociedade a abrir mão dos medos e das ideias pré-concebidas para compreender a sua realidade e conhecê-las como realmente são, sem subestimá-las ou superestimá-las.

Continue acompanhando o Fique por Dentro. Na próxima edição, serão abordadas as nomenclaturas de recursos e estratégias utilizados para promover a acessibilidade de pessoas com deficiência, as quais, não raro, são confundidas ou geram dúvida.

*Os exemplos aqui trazidos foram adaptados do texto Terminologia sobre deficiência na era da Inclusão, de Romeu Kasumi Sassaki. O material está disponível no link: https://acessibilidade.ufg.br/up/211/o/TERMINOLOGIA_SOBRE_DEFICIENCIA_NA_ERA_DA.pdf? . Acesso em 27 jun 2019.

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